Em 2206 ainda vamos pensar que o 11-S mundou o mundo?
Talvez num mundo futuro dominado pela China, o que vai ser importante é um qualquer acontecimento da história chinesa e não o ataque a um país que, contam os bisavós, um dia foi uma superpotência. Talvez. Mas o 11 de Setembro mudou certamente o nosso mundo.
Daqui a duzentos anos estaremos a recordar o 11 de Setembro de 2001 com artigos de jornal e peças televisivas a falar do acontecimento que "mudou o mundo" e "inaugurou uma nova era"? Ou os atentados contra o World Trade Center e o Pentágono ter-se-ão transformado numa referência menor nos livros de História?
A 11 de Setembro de 2001, no momento em que os aviões chocaram com as Torres Gémeas, ninguém tinha dúvidas de que o mundo nunca mais seria o mesmo (e não era só no Ocidente, sondagens no Médio Oriente, na Rússia ou na Ásia indicavam o mesmo). Mas passaram cinco anos - apenas cinco - e William J. Dobson assina um texto na revista Foreign Policy com o título provocatório O Dia em que Não Mudou Grande Coisa.
Argumentos de Dobson: a globalização não foi travada nem regrediu, como muitos tinham previsto; não houve uma crise económica profunda; e os assuntos que discutimos hoje não são muito diferentes dos que discutíamos no dia 10 de Setembro de 2001. Será assim?"O meu mundo hoje, em Setembro de 2006, foi transformado pelo 11 de Setembro de 2001", garante Rui Ramos, historiador.
Mas temos que distinguir entre as grandes narrativas históricas e "as histórias". "Que importância teve para a história do mundo o assassínio de John Kennedy? É discutível. Mas para a forma como uma geração se relacionava com a política nos Estados Unidos e no Ocidente teve muita importância.
Foi o fim dos sonhos.
Se colocarmos os atentados num quadro temporal alargado, que inclua, por exemplo, o século XX, o 11 de Setembro pode parecer menor. O historiador António Hespanha lembra que ainda há pouco mais de 60 anos houve duas bombas atómicas lançadas sobre cidades japonesas, que mataram milhões de pessoas e continuam a matar até hoje, e que antes disso houve o Holocausto, houve o bombardeamento de Dresden.
Ao pé destes acontecimentos, o 11 de Setembro "é relativamente sóbrio". Mesmo assim, muita coisa mudou desde aquele dia. "Apareceu uma sensibilidade nova para o chamado terrorismo", admite Hespanha, e, embora o terrorismo não seja um fenómeno novo, nunca antes se tinham usado aviões de passageiros contra edifícios cheios de civis.
Terceiro ataque de sempre contra os EUA
Pedro Oliveira, especialista em história do século XX, considera que muita coisa mudou e que não podemos minimizar o acontecimento. "Só duas vezes antes é que os EUA tinham sido atacados em solo nacional, a primeira no século XIX em Washington pelos britânicos, e a segunda pelos japoneses em Pearl Harbour, o que motivou a sua entrada na II Guerra Mundial. Por isso, o 11 de Setembro teve "um impacto tremendo na psique americana", ao inaugurar um "tipo de terrorismo apocalíptico" que ainda não sabemos onde irá conduzir o mundo. Além disso, o ataque "pôs em marcha um conjunto de decisões políticas que vão ter consequências muito duradouras", a começar pela guerra no Iraque.
Mas poderemos nós, à distância de cinco anos, saber se este é um daqueles acontecimentos que um dia serão ensinados nas aulas de História como um momento de viragem, em que o mundo entrou numa nova fase? O 11 de Setembro aconteceu numa alturaem que se discutia se a História teria acabado. Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, chegara-se ao fim de uma era, e começara um período de prosperidade e optimismo - à falta de melhor chamou-se-lhe o pós-guerra fria - em que nada de muito preocupante parecia abalar a nossa pequena história. Durou pouco mais de dez anos. E acabou precisamente no dia 11 de Setembro de 2001. E o que começou? Não houve, para já, uma mudança no equilíbrio de poderes.
Os EUA continuam a ser a única superpotência, estatuto que conquistaram com o fim da União Soviética (este, sem dúvida, um acontecimento avassalador, uma mudança histórica, um momento de viragem). O conflito do Médio Oriente também não foi resolvido. A China não travou o seu implacável crescimento económico.E, no entanto, nós vimos, nós "sentimos" a História a mudar. "Se possuímos ainda hoje uma memória sólida do lugar onde nos encontrávamos quando se soube do ataque, daquilo que então sentimos e restantes circunstâncias pessoais é porque, no fundo, já sabíamos que o mundo tinha mudado antes de os media no-lo dizerem", escreveu Rui Tavares no capítulo inicial do seu O Pequeno Livro do Grande Terramoto, capítulo precisamente sobre a ideia de que há "dias que mudaram o mundo". E o 11 de Setembro de 2001 é um daqueles acontecimentos sobre os quais durante muito tempo perguntaremos "onde estavas naquele dia?".
in PUBLICO
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