terça-feira, setembro 12, 2006

...11 de Setembro foi há cinco anos...

Nos últimos cinco anos, passámos a olhar para o mundo de forma diferente. A procurar respostas para outros problemas ou a dar outras respostas para as mesmas perguntas. Estamos em guerra? Contra quem? Em nome de quê?

Basta revisitar as páginas da imprensa ocidental no ano da viragem do século para verificar até que ponto ninguém estava intelectual e politicamente preparado para o que viria a acontecer nessa manhã soalheira em Nova Iorque. O que ainda fazia crédito entre os intelectuais eram as repercussões do Fim da História de Francis Fukuyama — a vitória das democracias sobre o último dos totalitarismo permitia antecipar uma nova ordem internacional pós-guerra fria determinada pelos valores do Ocidente. Debatia-se o papel da única superpotência e como domar o seu poder, pondo-o ao serviço do multilateralismo. Previa-se uma “hegemonia benigna”.

Na sequência das intervenções militares na Bósnia (1995) e no Kosovo (1999), os aliados da NATO tentavam encontrar uma nova legitimidade para as “intervenções humanitárias”. E, na sede das Nações Unidas, Kofi Annan propunha uma nova doutrina segundo a qual a soberania dos indivíduos deveria sobrepor-se à soberania dos Estados.

Depois do “love affair” de Bill Clinton com o mundo, George W. Bush já chegara à Casa Branca. Havia sinais preocupantes, mas que se inscreviam ainda na coluna dos cenários improváveis. Samuel Huntington publicara o seu célebre livro Choque das Civilizações. No Afeganistão, os taliban decapitavam pessoas em praça pública. Ossama bin Laden já emitira uma proclamação anunciando “a frente mundial islâmica contra os judeus e os cruzados”. Os sinais estavam lá. Mas as luzes ainda não se tinham acendido, todas ao mesmo tempo, no palco mundial. Passámos a olhar para o mundo de outra maneira. Os livros que procuramos nas livrarias são sobre outros temas. Os títulos dos jornais obedecem a outros critérios.
Estamos ou não em guerra?
O Governo americano definiu desde a primeira hora a resposta aos ataques do 11 de Setembro como uma guerra. No sentido clássico do termo, não apenas metafórico. No dia 11 de Setembro de 2001, a América sentiu-se atacada. Como em Pearl Harbour. Está em guerra e age em conformidade. Cinco anos depois, George W. Bush voltou a declarar a guerra contra o terror como “o combate ideológico decisivo do século XXI”. Com um só inimigo: “os jihadistas, sucessores dos fascistas, nazis, comunistas e outros totalitarismos”. Como Osama bin Laden é o sucessor de Hitler e de Lenine. “Na guerra, a narrativa é muito mais do que apenas uma história”, escreve Michael Vlahos, na revista americana The National Interest. “Significa uma estratégia a partir da qual tudo o resto se funda”.
Na Europa, não foi esta a narrativa que emergiu depois do 11 de Setembro. Nem depois do 11 de Março ou do 7 de Julho. “É esta, talvez, a diferença maior entre os EUA depois do 11 de Setembro e a Europa depois do 11 de Março”, escrevia no PÚBLICO Dominique Moisi, professor francês de Relações Internacionais, no dia do 4º aniversário dos atentados contra as Torres Gémeas. Para os europeus, o terrorismo, nas suas múltiplas faces, do IRA à ETA passando pelas Brigadas Vermelhas, não é uma novidade. Foram precisos 50 milhões de mortos para vencer o nazismo. Estão mais inclinados a perguntar, como Estaline sobre o Vaticano, quantas divisões possui a Al-Qaeda. Cinco anos depois, em que novos termos se trava o debate em torno desta “guerra”? Depois do desastre iraquiano, das dificuldades crescentes no Afeganistão, da nova ameaça iraniana, da guerra no Líbano, os analistas de ambos os lados do Atlântico interrogam-se sobre os resultados da guerra declarada por Bush contra o terror.
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A “revolução” americana chegou ao fim?
Francis Fukuyama transformou-se num “realista”? George W. Bush converteu-se ao internacionalismo liberal? Os neoconservadores foram derrotados pelos bons velhos conservadores republicanos?Cinco anos depois dos atentados de 11 de Setembro, que deram origem à “Doutrina Bush” sobre a “guerra preventiva” e a “mudança de regime”, se necessário pela força, para impor a democracia no Médio Oriente, o debate entre as diversas escolas que procuram influenciar a acção americana no mundo parece estar a mudar. A razão é simples: a percepção do fracasso americano no Iraque. O resultado também: está a ser progressivamente restaurada a autoridade dos defensores da chamada “escola realista” na boa velha tradição kissingeriana.A confissão pública de Francis Fukuyama sobre o seu corte com os neo-conservadores foi, talvez, a mais mediática demonstração desta viragem. Num longo artigo no New York Times, Fukuyama escreve que “o problema com a agenda dos neoconservadores não está nos seus fins, que são tão americanos como a tarte de maçã, mas antes nos meios hipermilitarizados pelos quais se pretendia alcançá-los”. O seu conselho: “O que a América precisa não é o regresso a um realismo estreito e cínico, mas da formulação de um ‘realismo wilsoniano’ que saiba adequar melhor os meios aos fins”. Poucos dias antes, Madeleine Albright, secretária de Estado de Clinton, escrevia outro artigo propondo um “idealismo realista”.
in PÚBLICO